terça-feira, 13 de outubro de 2020

(Diálogos Lusófonos)


OS JUDEUS ESQUECIDOS DE ANGOLA:

Mito e realidade na herança sefardita

Por JAIME AZULAY  13 de maio de 2014

A recuperação do cemitério judaico da Várzea assinalou a passagem de mais de 150 anos da chegada dos primeiros judeus sefarditas a Cabo-Verde. 
Pretendeu-se assim preservar a sua memória e honrar as contribuições que prestaram ao desenvolvimento do arquipélago.
Um dos benfeitores do Projecto de Preservação da Herança Judaica em Cabo-Verde é o Rei Mohamed VI do Marrocos, que se fez representar no evento pelo seu conselheiro sénior André Azoulay. 

Temos assim a situação insólita de “um monarca muçulmano a contribuir para um projecto judaico num país cristão”

No mesmo âmbito estão previstas pesquisas e trabalhos de investigação com instituições universitárias locais bem como um simpósio internacional em 2015 com a participação de pesquisadores africanos, da Europa e dos Estados Unidos da América. Para além do interesse científico, Cabo-Verde terá ganhos com o fluxo anual de mais turistas interessados em conhecer a herança judaica naquele país africano.
De acordo com a Wikipédia, o chamado povo judeu não é actualmente reduzido somente à religião, raça ou cultura. O termo "judeu" originalmente era usado para os filhos de Judá, filho de Jacó. Posteriormente foi atribuído aos nascidos na Judeia. Depois da libertação do cativeiro da Babilónia, os hebreus começaram a ser chamados de judeus.

A palavra portuguesa "judeu" tem origem do latim "judaeu" e do grego "ioudaîos". Ambas vêm do aramaico," ?????," que se pronuncia "iahude". 

A origem dos judeus é tradicionalmente datada de aproximadamente 2000 a.C. Na Mesopotâmia, a destruição de Ur e da Caldeia forçou a população a imigrar para outros lugares. A família de Abraão estava entre os que imigraram para a Assíria. Abraão é considerado o fundador do Judaísmo. Judeus anteriormente presos e escravos dos romanos chegaram a “Sefarad” na Espanha, de onde viriam a ser expulsos mais tarde, em 1492, indo para o norte de África.

Os "Sefarditas", oriundos de Marrocos e Gibraltar chegaram a Cabo-Verde em meados do século XIX, após a abolição da escravatura e um acordo entre Portugal e a Inglaterra. Eles dedicaram-se predominantemente ao comércio internacional, à navegação e à administração pública.
Entretanto, foi assinalada uma presença anterior ao século XIX que é, no entanto, difícil de documentar. Tratavam-se de judeus convertidos ao cristianismo, os chamados “cristãos-novos”, como sustenta a pesquisadora Carol Castiel que lidera o projecto de Preservação da Herança Judaica em Cabo-Verde (CVJHP, sigla inglesa).

A viagem contínua de judeus sefarditas ao longo da costa oeste da África continental, no século XIX, estendeu-se a partir de pontos intermédios localizados nos arquipélagos dos Açores, Cabo-Verde e São-Tomé e dali em direcção às antigas colónias de Angola (com entrepostos ou filiais comerciais em Banana e Goma, actual R.D.C.) e Moçambique. Foram provavelmente atraídos por uma florescente actividade mercantil que lhes permitia, com os seus conhecimentos e aptidões, rapidamente obter fontes de sustento longe dos seus países de origem onde eram alvo de perseguição.
Tal como atrás foi referido, ao longo dos séculos XVI-XVIII já pululavam pelo actual território de Angola os chamados “cristãos-novos” misturados aos grupos traficantes, contratadores e armadores envolvidos no tráfico negreiro Atlântico, como referem vários autores.

Em 1492, entre 120 a 150 mil judeus espanhóis foram expulsos por monarcas católicos para Portugal, onde se juntaram aos 100 mil judeus portugueses. Nessa altura Portugal tinha 1 milhão de habitantes.
Pressionado pela vizinha Espanha, o rei de Portugal ordenou, por Decreto, a conversão em massa de judeus que, não tendo outro local para ir, resignaram-se ao catolicismo, formando os “cristãos-novos”.

Segundo frisou a pesquisadora brasileira Anita Novinsky num trabalho sobre o passado judaico no Brasil (Os cristãos-novos da Baía, Editora Perspectiva, 1972) a conversão à força dos cristãos-novos, os anussim ou injuriosamente designados por marranos por não comerem carne de porco, não correspondeu aos padrões do chamado cripto-judaísmo, conformado numa prática sincrética de cristianismo e judaísmo (oculto) utilizada posteriormente pelos judeus brasileiros.

As entradas desses emigrantes no território, ao contrário do que acontecia noutras colónias, não foram objecto de registo. A saga em Angola é considerada pouco visível quando comparada à dimensão observada em outras áreas geográficas da diáspora judaica, como refere Aida Freudenthal, colaboradora do Centro de Estudos Africanos e Asiáticos do Instituto de Investigação Científica Tropical no livro “Judeus em Angola-séculos XIX e XX”. Devido à sua incontornável referencialidade da obra em causa, a ela recorreremos sistematicamente ao longo da nossa abordagem, bem como à indispensável “Enciclopédia Judaica, Jerusalém, 1971” editada por Cecil Roth e G. Wigoder
Os judeus em Moçambique, Angola e Cabo Verde, Lisboa, 1975 de Alberto Iria e ainda “Survival and adaptacion. The portuguese jewish diaspora in Europe, África and the new world, New-York, 2002” de Joseph Levi, entre outros.

EM BUSCA DA PROLE SEFARDITA
Há cerca de 20 anos, assumi a responsabilidade de abordar a questão dos judeus de Angola, a pedido de uma fundação hebraica brasileira que me contactou através de um fax enviado para a estação de rádio LAC. Falei com o escritor Raúl David, a quem expus as linhas do meu projecto. Raúl aceitou trabalhar comigo. Na altura, o veterano escritor angolano contava mais de 80 anos de idade. No entanto, gozava de uma saúde juvenil e era privilegiado com uma memória de elefante. Como valor acrescentado, ele conhecera pessoalmente muitos judeus espalhados por Angola desde as primeiras décadas do século XX. Eram esses indivíduos o nosso alvo e a quem iríamos seguir o rasto até aos seus descendentes actuais.

Sabia-se de antemão que, com a necessidade de integração social, foi frequente a união entre judeus sefarditas e “filhas da terra”, o que tinha dado origem a agregados familiares com numerosa prole amestiçada. 
A proveniência urbana dos sefarditas marroquinos ou gibraltinos tê-los-ia imunizado contra as teses racistas que estavam em crescendo sobretudo na Europa (Aida Freudental, idem) o que provavelmente, na prática, terá facilitado esses relacionamentos. Contudo, punha-se a questão de os cânones hebraicos não considerarem judeus os filhos nascidos de uniões mistas, quaisquer que elas sejam.
A tradição normativa religiosa do hebraísmo, a Halachá (Lei tradicional da Torá) define que uma pessoa nascida de mãe judia é um judeu (www.chabad.org.br), independentemente da sua cor ou nacionalidade. Um não-judeu pode converter-se somente de acordo com as condições haláchicas e a aceitação de todos os mandamentos da Torá. Segundo tais critérios, os casamentos mistos e a assimilação afastam o povo judeu das suas raízes. Para a Torá, todo o judeu tem valor intrínseco e é um componente essencial do povo judeu, sem o qual a nação inteira não pode realizar o seu pleno potencial” (idem). Na descendência judaica a linha matrilinear é maioritária, apoiada pelo "judaísmo rabínico", ortodoxo e conservador e é a que ganha mais força por ser apoiada pelo Estado de Israel.
Todavia, existe a tese do judaísmo reformista que tem introduzido novas filosofias. A partir de Março de 1983 foi reconhecida a descendência paterna, mesmo que a mãe não seja judia, bastando que a criança "seja criada como judeu e se identifique com a fé judaica". Igualmente, contrariando as considerações “haláchicas” são destacados outros factores seculares, políticos e identificações ancestrais que definem quem é judeu de forma mais abrangente. O certo é que o povo judeu é heterogéneo do ponto de vista racial, fruto das migrações constantes e consequentes ligações com outros povos, que resulta numa miscigenação com evidentes disparidades morfológicas entre os indivíduos (vide a UNESCO e questão racial na ciência moderna, em http://pt.wikipedia.org). Como o assunto é eivado de divergências insanáveis, deixámo-lo em aberto, pelo menos por enquanto.
A procura de traços identitários de uma possível comunidade de descendentes judeus em Angola chegou a interessar também à Dra. Tamar Golan que ocupou o cargo de primeira embaixadora plenipotenciária de Israel em Luanda entre 1995 a 2001. Ela ficaria em Angola até 2003. Tamar tinha projectos culturais interessantes que não chegaram a concretizar-se. Em diversos momentos procurou estabelecer contacto com os descendentes dos judeus que viveram em Angola. Chegou a convidar-me para algumas celebrações judaicas em Luanda. Da única ocasião em que por lá apareci, lembro-me de ter visto pessoas conhecidas de famílias angolanas descendentes. Quando faleceu a minha tia Isabel Azulay, a embaixadora enviou-me uma fraterna mensagem de condolências. Contudo, as coisas ficariam por ali. Tamar Golan viria a falecer no dia 30 de Março de 2011.
Com o escritor Raul David, tínhamos garantido um filão para explorar com o qual sustentaríamos as conclusões da pesquisa. Entretanto, observa-se o recrudescer da guerra em Angola ao longo de toda a década de 90. Pouco tempo mais tarde o inesperado acontece: Raul David morre em Benguela. O duro golpe e a situação de beligerância armada vigente no país levar-me-ia a arquivar o projecto por absoluta falta de motivação. Nesse interim receava-se pela integridade de um dos poucos testemunhos materiais indispensáveis a qualquer pesquisa sobre o assunto. Os vestígios dos túmulos judeus no cemitério de Benguela corriam o risco de desaparecer ou serem profanados, conforme várias pessoas alertavam.
Tal como eu tinha inicialmente projectado com R. David, o desafio consistia em investigar a saga de judeus sefarditas que chegaram dispersos às então colónias portuguesas de Cabo-Verde, Moçambique e sobretudo Angola, no regurgitar da actividade comercial no século XIX. Depois disso, os judeus da África Ocidental ou os seus descendentes, ficaram esquecidos durante mais de um século. Sabia-se, isso sim, que tinham constituído famílias angolanas não só em Luanda e Benguela mas também no sertão, como na vila de Longonjo, onde por volta de 1930 os irmãos Benoliel tinham instalado uma cerâmica e com uma relativa prosperidade ficaram muito conhecidos em toda a região centro. Até hoje lá se encontram bem visíveis as ruínas da fábrica.
Aida Freudenthal 
considerou prematuro definir uma identidade judaica sefardita em Angola, em razão da sua condição de minoria dispersa na vastidão do território. Os judeus acolhidos pela sociedade colonial nos séculos XIX e XX não tiveram a possibilidade de constituir uma comunidade coesa arreigada numa identidade própria, capaz de preservar os factores aglutinadores comuns, que os judeus mantiveram noutras áreas geográficas da sua conturbada diáspora. Para a pesquisadora, os dados até agora reunidos não permitem a elaboração do seu perfil sociológico, nem a sua identificação em judeus ricos e pobres, de assimilados, liberais e ortodoxos. Contudo, tratando-se de indivíduos provenientes da região africana do Magrebe com uma vivência cultural resultante da estrutura social judaico-marroquina “não é absurdo supor que partilhavam uma História e uma Cultura comuns”.
Para além da religião, há a peculiar forma como os judeus se alimentam, se vestem, as suas músicas e o uso do dialecto haquitia que integrava elementos do hebraico, espanhol e árabe, para além das línguas inglesa e francesa que dominavam, em função das suas proveniências. 
Muitos tinham a cidadania inglesa obtida em Gibraltar ou a portuguesa concedida por mercê régia, ao longo do séc. XIX (J. M. Abecassis, Genealogia Hebraica, Portugal e Gibraltar, Lisboa, 1990).
Portanto, não existem evidências em Angola de práticas religiosas comuns entre os judeus sefarditas (vide Aida, ibidem, pág 257). Quanto a nós, parece-nos que o facto se explica devido ao reduzido número de membros. Havia dificuldade, por exemplo, em conseguir reunir o núcleo designado por myniam que é constituído por um mínimo de dez homens, indispensável nas práticas litúrgicas. A falta de um rabino e de um templo, por exemplo, inviabilizavam certo tipo de cerimónias religiosas.
Freudenthal sustenta que o declínio do comércio na colónia de Angola, com a crise de 1929, devido à redução das transacções, afectou muitas firmas comerciais, o que poderá ter motivado o retorno de comerciantes sefarditas cujos negócios tinham ramificações em vários países da Europa. O afrouxar das transacções no comércio colonial trouxe alterações profundas que provocaram a diminuição da comunidade sefardita e a consequente integração dos seus descendentes na sociedade colonial. Para os que ficaram, “assimilar passou a ser a palavra de ordem, daí ter sido um facto a aculturação dos judeus sefarditas”, concluiu a pesquisadora.
Nos tempos que correm, a questão é descobrir quantos são e em que localidades se encontram a viver os descendentes dos emigrantes oriundos do Magrebe africano e da Europa que se quedaram por Angola mesmo depois da crise de 1929. De certeza que não se tinham pura e simplesmente eclipsado, daí existir uma grande curiosidade perante certas dúvidas. Seria que ainda viviam em Angola? Com que matrizes se caracterizavam? Manteriam em comunidade os traços da milenar religiosidade e cultura judaicas ou se tinham simplesmente convertido ao cristianismo como acontecera com os marranos (cristãos-novos)? Ou ainda seria que tinham diluído as suas manifestações ancestrais nas práticas sincréticas dos cultos africanos?
Na altura havia também a considerar uma delicada situação: seria que os angolanos detentores de ascendência judaica estariam na disposição de aceitarem em público o facto de serem eles, também, judeus descendentes? 
Após a independência de Angola em 11 de Novembro de 1975, muitos deles tinham conseguido ascender a lugares de destaque na hierarquia do poder. Outros se tinham integrado nas forças armadas e tinham participado nas guerras angolanas sem que alguém lhes tivesse impedido sequer de lutarem pela sua pátria devido ao facto de terem a correr nas suas veias resquícios de sangue judeu.
Actualmente, na sua totalidade, estes indivíduos encontram-se profundamente inseridos na matriz sócio-cultural angolana. São detentores das inerentes qualidades de nacionalidade e cidadania como os demais. Para muitos deles, talvez não exista interesse na exposição das suas raízes judaicas. Preferirão, provavelmente, a fim de evitar mal-entendidos e a eventualidade da acção de sectores arreigados aos seus atávicos preconceitos anti-semitas.

JACQUES ATTALI E O FRASCO DE ENXOFRE
Inesperadamente, ou talvez não tanto, eis que, novamente, tenho em mãos o assunto dos judeus em Angola, após o mesmo ter hibernado por longo tempo no baú do esquecimento. Não obstante os anos passados, o enigma permanece. Não restam dúvidas de que se trata de uma abordagem complexa, intrincada e provavelmente polémica, muito susceptível a eventuais conexões que se lhes pode aduzir.
Experimento a mesma sensação que arrasou Henry Sobel quando escreveu o prefácio da edição brasileira de um livro fascinante e perturbador de Jacques Attali que analisa de forma brilhante e extensa as possíveis razões históricas, sociais e teológicas que permitiram que os judeus se catapultassem para o domínio das finanças internacionais, municiando, em contraponto, o tradicional leque de inimigos e detractores anti-semitas que vão desde os cristãos que acusaram os judeus de “terem sugado o sangue de Cristo” até o acicatar das versões mais perversas do fundamentalismo Islâmico.
Jacques Attali é um judeu francês de ascendência argelina, um Guru em matéria de banca e finanças. Funcionou no Eliseu como conselheiro especial do presidente François Miterrand durante 10 anos, na década de oitenta. Actuamente é um dos intelectuais mais respeitados no seu país, a França. Publicou dezenas de obras literárias, entre as quais o polémico “ Les juifs, l´argent et le monde” publicado no Brasil em 2011 pela Editora Saraiva com tradução literal do sugestivo título original: “Os judeus, o dinheiro e o mundo”.
No prefácio, Henry I. Sobel que é o presidente do Rabinato da Congregação Israelita de S. Paulo disse, num sincero assomo de desencanto e perplexidade: “preferia que tal obra jamais tivesse sido escrita”. E por ali não ficou. Não suportou o irreprimível melindre pelo facto de J. Attali, o autor, ter esmiuçado a relação “supostamente obsessiva” entre os judeus e o dinheiro desde tempos remotos. “Não entendo – frisou o rabino – porque uma pessoa esclarecida queira retomar o assunto logo agora, numa época em que o anti-semitismo dá sérios sinais de recrudescimento no mundo inteiro”.
Pareceu-me que o único conforto encontrado nas palavras escritas pelo rabino de São Paulo é que o autor, já na etapa final do livro, por intermédio de novas interpretações de factos já conhecidos, conseguiu comprovar a salvadora tese, segundo a qual, o propalado apego dos judeus ao dinheiro não resultou de uma “opção”, mas sim de uma “imposição” de factores circunstanciais. É consequência dos seculares exílios, das perseguições e da dispersão desde as viagens dos patriarcas com a peregrinação pelo deserto do Sinai a caminho da Terra Prometida. Resultou destas circunstâncias que “o dinheiro foi o único bem portátil dos judeus e o seu privilegiado instrumento de sobrevivência”.
Tal como sucedera com Henry Sobel, a bola sobraria irremediavelmente para mim, desde o momento em que o jornalista Itamar Souza publicou na edição de Julho de 2013 da revista “África 21” um artigo com o título “Judeus, o destino passou por Benguela”, no qual alude a um projecto de instalação de uma colónia de 600 mil judeus em Angola, empreitada sonhada por um grupo de intelectuais judeus, entre os quais Alfredo Bensaúde, Jacob Teitel, Wolf Terló e Israel Zangwill, isso no início do século XX. No entanto, os 159 colonatos previstos nunca chegariam a ser instalados nas terras férteis vale do Cavaco, no litoral de Benguela, onde “não existiam árabes palestinianos” (www.fmsoares.pt/aeb/crono/id?id=01855).
A verdade, porém, é que nunca se viria a verificar uma migração em massa de judeus da Europa e do Norte de África, rumo à colónia portuguesa de Angola, com o fito se instalarem, conforme pretenderam Alfredo Bensaúde e seus pares. Nem foram encontradas referências credíveis de judeus que fugiram da Europa por alturas da Segunda Guerra Mundial iniciada em 1939.
As gerações de angolanos que existem actualmente com sangue judaico, descendem, salvo alguma excepção, dos judeus sefarditas que chegaram esparsamente a Angola na segunda metade do século XIX. Freudenthal menciona uma reduzida lista com os nomes de famílias entre as quais despontam Amzalak, Ashai, Azulay, Bendrão, Benchimol, Benoliel e Cohen. Estes são descendentes de judeus que nada tinham a ver com os planos de Israel Zangwil e Alfredo Bensaúde. Individualmente ou em pequenos grupos familiares, se foram estabelecendo progressivamente entre Benguela e Luanda, factos aliás, já referenciados por Aida Fredenthal no livro “Judeus em Angola-séculos XIX-XX”, que vimos referindo e no qual é analisada a diáspora sefardita na mais importante colónia lusitana de África.
Porquê voltar a falar dos judeus em Angola? O que se pretende? Ora, não estão descuradas interpretações grosseiras, nem o evoluir de premeditados preconceitos de que seja intenção do autor reconstituir árvores genealógicas com potencial suficiente para fazer ressurgir na sociedade angolana uma categoria de pessoas diferenciadas.
Assistem-nos razões justificadas exclusivamente pela investigação científica, para pegarmos em mãos a abordagem da questão, ainda que com a estranha sensação de estar destapando uma vasilha de enxofre no meio de um público imprevisível que, a qualquer momento, nos pode fazer sentir o desconforto do estigma. Referimo-nos a pessoas que cultivam preconceitos e esperam simplesmente oportunidades, quaisquer que sejam, para destilá-los de forma hostil contra os judeus, tido por povo errante desde a antiguidade, condenado à dispersão e ao exílio permanente sofrendo na carne e no espírito ignomínias e uma infinidade de crimes horrendos que a História registou nos seus anais.

CONCLUSÕES
À guiza de conclusão dos factos apontados, não pode ser posta em causa a existência de uma herança judaica em Angola. Contudo, concordamos com Aida Freudenthal quando formula que na actualidade, não existe no país uma comunidade judaica como tal, formada por descendentes dos judeus sefarditas, provida de sinais identitários exteriores comuns. Portanto, os descendentes já não praticam a religião dos seus antepassados.
Nas pesquisas sobre a presença de Judeus em Angola, nunca foram encontrados sinais ou relatos credíveis da edificação no território de uma sinagoga ou outro templo para servir como local de culto mesmo nas zonas de maior concentração como Catumbela e Benguela. Em Moçambique, foi construída uma sinagoga e judeus abastados saíam de Angola para a colónia do Índico a fim de cumprirem os rituais judaicos, como atestam os historiadores.
Ao longo de século e meio, as sucessivas gerações foram assimilando os aspectos da cultura local e nela se integraram naturalmente como mais uma peça do mosaico angolano de tal sorte que, para se conhecer a dimensão e composição da prole deixada pelos judeus sefarditas, é exigido trabalho apurado devido à falta de fontes materiais.
Do que se investigou até hoje, para além dos nomes e sobrenomes de raiz hebraica que se mantiveram intactos, os vestígios materiais da herança judaica em Angola resumem-se nas nove sepulturas alinhadas com inscrições em hebraico e português no cemitério municipal de Benguela ao lado de campas cristãs. São referidas outras 13 na vila da Catumbela (Alberto Iria, idem) e umas poucas na antiga vila de Bela-Vista, hoje chamada Catchiungo, na província central do Huambo.

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